Jack Shafer comenta sobre Albert Camus e crítica da imprensa

Jornalista Jack Shafer, da agência Reuters, fez um artigo sobre as ideias de Albert Camus sobre jornalismo e a crítica da imprensa que existe nos dias atuais. Segue uma tradução de Pedro Zambarda acompanhada pela versão original, em inglês.



Fonte: http://blogs.reuters.com/jackshafer/2013/04/10/our-national-pastime-press-criticism/

Nosso passatempo nacional: Crítica da imprensa

Opinião | Por Jack Shafer
10 de abril de 2013

No começo de 1946, Albert Camus disse ao crítico de imprensa do New Yorker, A.J. Liebling, seu plano para um novo jornal.

“Poderia ser um jornal com opinião crítica, a ser publicado uma hora depois das primeiras edições dos outros jornais, duas vezes por dia, pela manhã e no horário da tarde”, disse Camus, que entendia uma coisa ou duas sobre jornalismo, durante sua saída do cargo de redator-chefe do diário Combat de Paris.

“Essa publicação poderia avaliar a veracidade das principais histórias dos outros jornais, com o respeito às políticas editoriais e às práticas passadas de seus correspondentes. Uma vez equipado com cartões de dossiês indexados em cada correspondente, esse jornal crítico poderia trabalhar bem rápido. Depois de algumas semanas, o tom da imprensa iria se conformar mais próximo ao da realidade. Seria um serviço internacional”, disse Camus à Liebling.

Camus nunca conseguiu patrocinadores para seu “jornal crítico” e acabou deixando o jornalismo. Mas a ideia do intelectual se fixou em Liebling como uma fita adesiva, e ele citou ela na entrevista de seu livro de 1948, “The Wayward Pressman”, assim como no obituário de Camus na New Yorker, em 1960. Camus falava em compilar os dados sobre “os interesses, as políticas e as idiossincrasias dos donos [dos jornais]” e de “todo o jornalista no mundo”. Dessa forma, o conteúdo das notícias poderia ser aferido pela credibilidade, ele explicou.

“Mas as pessoas querem saber sobre quanta verdade existe naquilo que elas leem?”, Camus perguntou. “Elas pagariam um jornal de fiscalização? Esse é o problema mais difícil”.

O sonho de Camus de novas análises em tempo real se realizou de forma ampla, embora não exista uma única publicação que trate sobre isso, leitores não pagam por isso e o produto analítico não aparece no impresso. A Web – e a corrida dos jornais, das revistas e dos broadcasters para encher suas páginas em meados dos anos 90 – fez o primeiro jornal crítico (ou de controle) possível em junho de 1997, quando o fundador da [revista] Slate Michael Kinsley contratou o jornalista Scott Shuger para ficar durante a noite do dia anterior procurando na Web histórias que poderiam aparecer de manhã como os principais fatos nacionais. Shuger conseguiria depois compor sua crítica e publicá-la no Slate assim que o sol começasse a nascer na costa leste, assim que a maioria dos assinantes pegassem seus exemplares impressos em suas portas ou consultassem a Web. Kinsley apelidou a coluna de “Today’s Papers”.

Graças à Shuger, e uma miríade de outros que utilizam a Web como sua base de análises, o universo fornece agora enxames de críticos da imprensa e críticos instantâneos o suficiente para dar calafrios ao sonho de Camus. A onda de críticos e jornalistas de imprensa inclui David Carr, Erik Wemple, Dan Kennedy, Dylan Byers, Michael Calderone, Tom Scocca, Rachel Sklar, Craig Silverman, Jeff Bercovici, Eric Deggans, Sara Morrison, Howard Kurtz (e seu programa de TV), Conor Friedersdorf, John Cook, Gregg Mitchell, Jim Romenesko, Roy Greenslade, Ann Friedman e outros. Sites que defendem a causa, como Media Matters, Newsbusters e FAIR mantém a fé política enquanto pressionam a imprensa. Acadêmicos como Jay Rosen, Ed Wasserman e Dean Baker se engajam em dissecar a mídia rotineira. Sites inteiros, podemos citar Poynter e Mediaite mantém o controle sobre a imprensa assim como fazem os sites ligados às publicações Columbia Journalism Review e American Journalism Review. Até o rádio está nesse nicho, com On The Media, assim como as publicações alternativas, revistas da cidade e seus obudsmen (Desculpas aos críticos não estão em minha lista. Aliás, por que tão poucas mulheres? Shani Hilton tem algumas ideias sobre isso).

Como uma proliferação de algas, a crítica da imprensa penetrou em todos os nichos habitáveis. Agora é raro é o talk show de notícias do canal a cabo, uma reportagem de revista ou de blog que atinge o seu ponto médio sem algum tipo de exame e escoriação da imprensa. O atual nível de opiniões assustaria até o leitor de notícias mais experiente da década de 1970, até mesmo o leitor da coluna “Press Clips”, no Village Voice, de Alexander Cockburn. Os leitores de 1960 teriam uma overdose da cobertura saturada de hoje. As pessoas normalmente não se recordam que Liebling (o jornalista que entrevistou Camus), que morreu em dezembro de 1963, trabalhou em parte de seu tempo na imprensa crítica enquanto estava na New Yorker, e foi mais ativo entre 1945 e 1953. Ele analisou notícias de jornais externos em suas colunas, principalmente o Chicago Tribune de Robert R. McCormick, e também criticou as redes e as agências de notícias, principalmente os jornais New York. Ele também disparou sua artilharia não apenas em outros jornalistas, mas também nos donos das publicaçãos, que ele pensava serem canalhas, dedicando ironicamente no The Wayard Press “para a fundação de uma escola de publishers, sem a qual nenhuma escola de jornalismo possa ter sentido”.

Era tão escassa a crítica de imprensa que, logo após a morte de Liebling, Louis M. Lyons, o então curador da Fundação Nieman de Jornalismo da Universidade de Harvard, lamentou seu falecimento em um artigo na Atlantic de maio de 1964. Lyons afirma que, mesmo com Liebling na batida, a imprensa tinha sido "a instituição menos criticada em nossa sociedade, embora ela seja crítica com todo o resto. Nenhuma outra instituição requer mais crítica constante e pesquisa, independente da hipersensibilidade ou criticismo tantas vezes evidenciado por muitos de seus proprietários".

Se nós estamos ressuscitando Lyons, ele provavelmente criaria um ensaio sobre o dano causado à sociedade pelos exércitos de críticos da imprensa. Camus poderia muito bem pular a etapa de construção de reportagens e dossiês para simplesmente comprá-los das empresas de relações públicas, e então alimentar a mão-de-obra para produzir seu jornal crítico para indivíduos que gostam de notícias. E por que não? Assim que meu chefe na Reuters, James Ledbetter, noticiou em 1998 que estava saindo da profissão de crítico da imprensa assim que a Web adquiriu velocidade de escape, todos nós nos tornamos críticos do jornalismo. Discussões políticas, argumentos econômicos até jogos de esportes costumam se ligar com uma crítica da imprensa: Qual solução tem a história correta e qual teve a forma errada? Qual história está sendo negligenciada ou transformada em sensacionalismo? Quem se beneficiou com a cobertura de uma publicação? Qual jornal nos jogou para a guerra? Qual causou o acidente? Quais pautas de um site são indistinguíveis de conteúdo patrocinado? E assim vai.

Foi Camus que desejou que mais informações e análises pesadas tornariam a avaliação do valor de verdade mais fácil. Liebling frisou que isso “levaria muita diversão para fora do fazer das notícias”. No entanto, ambos estavam errados. A onda de informação barata e pronta tem, obviamente, feito a exterminação de parte de uma idiotice que cai em imprecisões um pouco mais facilmente. Mas em outros ramos, a proliferação de informações apenas intensificou o prolongamento e a densidade dos debates, a ponto de nenhum assunto ser resolvido a tempo de ser reconsiderado e taxado como uma “visão revisionista”. A sopa de mídia sem fundo que estamos degustando está sempre em fervura, sempre alimentada por novos ingredientes e pronta para ser contestada. A resolução que Camus procurava não pode ser encontrada.

A previsão de Liebling de que a nova mídia de Camus iria afunilar a diversão dos jornais não foi cumprida.  Bater na imprensa se tornou um passatempo nacional, como o beisebol, o NFL ou o March Madness, e não é um evento sazonal. Ao longo das últimas quatro décadas, a confiança do público na imprensa subitamente declinou – mas não porque a imprensa tornou-se menos confiável, e sim porque eles são afetados por nós. Isso é suficiente para fazer Liebling rir.

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Scott Shuger morreu em 15 de junho de 2002, num acidente de mergulho. Slate descontinuou a coluna “Today’s  Papers” em agosto de 2009, reposta por uma coluna de agregação de notícias. Divulgação: Eu trabalhei na Slate entre 1996 e 2011. Mande sua coluna favorita de Liebling para Shafer.Reuters@gmail.com.

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Our national pastime: Press criticism

Opinion | By Jack Shafer
APRIL 10, 2013

In early 1946, Albert Camus emptied into New Yorker press critic A.J. Liebling’s ear his plan for a new newspaper.

“It would be a critical newspaper, to be published one hour after the first editions of the other papers, twice a day, morning and evening,” said Camus, who knew a thing or two about journalism, having recently resigned his editorship of the Paris daily Combat.

“It would evaluate the probable element of truth in the other papers’ main stories, with due regard to editorial policies and the past performances of the correspondents. Once equipped with card-indexed dossiers on the correspondents, a critical newspaper could work very fast. After a few weeks the whole tone of the press would conform more closely to reality. An international service,” Camus told Liebling.

Camus never found a backer for his “critical newspaper” and eventually left journalism. But the idea stuck to Liebling like duct tape, and he cited the interview in his 1948 book, The Wayward Pressman, as well as his 1960 Camus obituary in the New Yorker. Camus spoke of compiling complete records of “the interests, policies, and idiosyncrasies of the [newspaper] owners” and “every journalist in the world.” Then, the contents of news stories could be gauged for credibility, he explained.

“But do people really want to know how much truth there is in what they read?” Camus asked. “Would they buy the control paper? That’s the most difficult problem.”

Camus’ dream of real-time news analysis has largely been realized, although no single publication produces it, readers don’t have to pay for it and the analytical product doesn’t appear on newsprint. The Web — and the rush of newspapers, magazines and broadcasters to fill its pages in the mid-1990s — made the first critical (or “control”) newspaper possible in June 1997, when Slate founder Michael Kinsley assigned journalist Scott Shuger to stay up all night reading on the Web the stories that would appear that morning in the nation’s top dailies. Shuger would then compose his critique and post it on Slate as the sun rose on the East Coast, well before most subscribers had retrieved the print versions from their doorsteps or consulted the Web. Kinsley dubbed the new column “Today’s Papers.”

Thanks to Shuger, and myriad others who’ve used the Web as their analytical engine, the universe now swarms with enough press critics and instant press criticism to give Camus’ ghost the willies. The surge in critics and press reporters includes David Carr, Erik Wemple, Dan Kennedy, Dylan Byers, Michael Calderone, Tom Scocca, Rachel Sklar, Craig Silverman, Jeff Bercovici, Eric Deggans, Sara Morrison, Howard Kurtz (and his TV show), Conor Friedersdorf, John Cook, Gregg Mitchell, Jim Romenesko, Roy Greenslade, Ann Freidman and others. Advocacy sites like Media Matters, Newsbusters and FAIR keep the political faith while hammering the press. Academics like Jay Rosen, Ed Wasserman and Dean Baker engage in routine media dissection. Entire websites, namely Poynter and Mediaite, keep tabs on the press, as do the sites amending the Columbia Journalism Review and American Journalism Review. Even radio is on the case, with On the Media, as are the alternative weeklies, city magazines and the bleating ombudsmen. (Apologies to the critics not on my list. Also, why so few women? Shani Hilton has ideas.)

Like an algae bloom, press criticism has seeped into every inhabitable niche. Rare is the cable news talk show, magazine feature story, or blog post that reaches its midpoint without some sort of examination and excoriation of the press. The current level of scrutiny would startle the savvy news consumer of the 1970s, even a reader of Alexander Cockburn’s Village Voice “Press Clips” column. Readers from the 1960s would overdose on the saturation coverage. People tend not to recall that Liebling, who died in December 1963, worked only part-time at press criticism while at the New Yorker and was most active between 1945 and 1953. Although he analyzed out-of-town dailies in his columns, most notably Robert R. McCormick’s Chicago Tribune, and criticized the chains and the wire services, the New York dailies were his main course. He also lobbed his hottest ordnance not on other journalists but on newspaper owners, whom he thought were scoundrels, dedicating The Wayward Press “To the Foundation of a School for Publishers, Failing Which, No School of Journalism Can Have Meaning.”

So scant was press criticism that shortly after Liebling died, Louis M. Lyons, then-curator of the Nieman Foundation for Journalism at Harvard, lamented his passing in a May 1964 Atlantic feature. Lyons asserted that even with Liebling on the beat, the press had been “the least criticized institution in our society, though critic of all the rest. No other institution more requires constant and searching criticism, regardless of the hypersensitivity or criticism so often evidenced by too many of its proprietors.”

If we were to resurrect Lyons, he would probably compose an essay on the damage done to society by the armies of press critics. Camus might well skip building his reporter and owner dossiers and simply buy them directly from the PR firms, then crowdsource the labor to produce his critical newspaper to individual news-tasters. And why not? As my Reuters boss, James Ledbetter, noticed way back in 1998 as he was exiting the press critic profession and just as the Web was reaching escape velocity, we’ve all become critics of the press. Political discussions, economic arguments and even sports squabbles frequently turn on a press critique: Which outlet got the story right and which one got it wrong? What story is being neglected or hyped? Who benefited from a publication’s coverage? Which newspaper got us into war? Caused the crash? Which website’s stories are indistinguishable from their sponsored content? And so on.

It was Camus’ wish that more data and heavier analysis would make the assessment of truth-value easier. Liebling fretted that it would “take a lot of the fun out of newspapering.” Yet both were wrong. The flood of ready and cheap information has, obviously, made the extermination of the sort of general idiocy that falls into the Snopes gunsights a tad easier. But elsewhere, information proliferation has only intensified the length and depth of debates to the point that no issue remains settled long enough for a reconsideration of it to deserve the label of “revisionist view.” The bottomless media soup from which we sup is always on boil, always being fed new ingredients and perpetually contested. The resolution Camus sought cannot be found.

Liebling’s prediction that Camus’ new media order would siphon the fun out of newspapering has not been fulfilled. Beating on the press has become as big a national pastime as baseball, the NFL or March Madness, only it’s not a seasonal event. Over the past four decades, the public’s trust in the press has steadily declined — but not because the press has become less trustworthy, but because they’ve caught on to us. That’s enough to make even Liebling laugh.

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Scott Shuger died in a June 15, 2002, diving accident. Slate discontinued “Today’s Papers” in August 2009, replacing it with a news-aggregation column. Disclosure: I worked at Slate from 1996 to 2011. Send your favorite Liebling column to Shafer.Reuters@gmail.com.