Reproduzido do site Bola da Foca
Publicado às 0h do dia 7 de novembro de 2013
"Em 8 de novembro ele [Lucien Camus] se apresenta na prefeitura [de Mondovi, atual Dréan, na Argélia] com duas testemunhas e declara o nascimento de seu segundo filho, no dia 7. Um só nome, Albert. Na época, de cada 40 franceses um se chama Albert. Camus Albert consta no registro entre dois muçulmanos, Khadidja (gerânio). A primeira testemunha, Piro Jean, diz-se comerciante. Nascido na Sardenha, seria, antes, hortelão. A segunda, Frendo Salvatore, nativo de Mondovi, declara-se empregado. Ele entrega sêmola e massas para o merceeiro Zamathé. Lucien Camus, esclarece o registro, é de 'origem francesa'".
De Olivier Todd, jornalista com passagem pelas publicações Nouvel Observateur e L'Express. Autor da biografia Albert Camus, Uma Vida, lançada em 1996.
Albert Camus nasceu no dia 7 de novembro de 1913, exatamente há 100 anos atrás. O horário preciso não consta nos registros, mas ele nasceu no seio de uma família de classe média baixa argelina, de origem na França. Lucien, seu pai, era descendente dos primeiros colonizadores da Argélia, trabalhava no cultivo e na colheita de uva para fazer vinho. Foi convocado para servir como militar na Primeira Guerra Mundial. Morreu no dia 11 de outubro de 1914 metralhado por uma arma Maxim, antes do filho Albert completar um ano.
Catherine Helène Sintès-Camus, a mãe, cria os filhos Lucien e Camus ao silêncio, sob a supervisão austera da avó materna também chamada Catherine. A mãe é empregada doméstica e analfabeta. Meio surda, também. As duas mulheres transformam-se em personagens nos livros de Albert Camus, por viverem a decadência e a pobreza de uma vida menos abastada na Argélia, a colônia da França.
O irmão mais velho Lucien torna-se contador. Ele vai estudar Filosofia em Argel, na capital, e desenvolve um excelente dom para textos. No entanto, vive sob pressão do pouco financiamento e envereda para a imprensa. Escreve no Sud, no Alger Étudiant [Argel estudantil], teve uma coluna de discos no La Presse Libre [A imprensa livre] e no Alger Republicain, onde consegue maior repercussão em 1938. Casa-se com Simone Hié em 16 de junho de 1934. Divorcia-se no ano seguinte, por infidelidades conjugais. Ela era viciada em morfina. "Tento fazer jornalismo para continuar minha licenciatura. Estou tão cansado, tão arrebentado. Sentimo-nos envelhecer, aos 20 anos. Bem sei que, se estou sofrendo, estou vivendo plenamente. Sei que o sublime não se separa do trágico, mas às vezes o trágico se sepra do sublime: Quando ele nos aperta demais", diz o escritor e pensador, na época.
Ingressou no Partido Comunista Argelino e depois no Francês, iniciando sua educação política de esquerda no ensino superior. Era apaixonado por futebol e era fumante compulsivo. O governo da República de Vichy, de Paris, se alinha aos alemães nazistas contra a União Soviética, fortalecendo o engajamento de oposição dos intelectuais politizados que não faziam parte da gestão. Camus entra nessa disputa política na capital da França, mesmo sendo um franco-argelino pé-preto (pied-noir). Trabalha brevemente no Soir-Republicain, em 1939.
O passaporte de Camus para Paris, em meados de 1940, é um período de experiência na redação do Paris-Soir, que imprime até um milhão de exemplares. Vive um exílio forçado e politicamente voluntário na França, distante da mãe e cada vez mais engajado nos assuntos da guerra. Escreve O Estrangeiro, o livro que viria a se tornar sua maior obra escrita. Casa-se com Francine Faure, uma pianista e matemática fã de Bach.
Estrangeiro é publicado em 1942 e custa 25 francos. Narra um protagonista que vive o presente, sem ligações com seu passado e futuro. Esse personagem comete um assassinato e não consegue justificá-lo para os demais. Ele é a figuração do conceito de absurdo, que seria abordado em ensaios e reflexões filosóficas de Camus. Os editores Michel e Gaston Gallimard divulgam Albert Camus na França. O melhor resenhista de sua obra é Jean-Paul Sartre, que o apresenta para o círculo de intelectuais parisiense. Sartre é a ponte para Camus da subdesenvolvida Argélia para a potência francesa.
Junto com Pascal Pia, seu antigo editor, Albert torna-se redator-chefe do Combat, em 1944, escrevendo textos opinativos e descritivos sobre o front de combate na Segunda Guerra Mundial. É o ápice de seu engajamento político, amizade com Sartre e exercício literário simultâneo ao trabalho de jornalista. Ele tem 31 anos. O livro O Mito de Sísifo o transforma praticamente em um filósofo, embora ele mesmo negue o rótulo, apesar de sua formação universitária.
Pia fica admirado pela escrita corajosa de Camus, lendo os editoriais em voz alta. O franco-argelino traz um tom crítico quando os americanos jogam bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, mas manifesta pesar pela morte do presidente Franklin Roosevelt. O jornal transforma-se na voz da Resistência Francesa, de esquerda, em oposição ao Le Figaro, conservador, e ao Défense de la France, sensacionalista.
Resume os males da guerra global na obra de ficção A Peste (1947), que foi terminada com muitos conflitos internos. Deixa também o Combat. Vive um período conturbado em sua amizade com Sartre. O amigo francês vai apoiar a URSS de Stalin. Ele sente os excessos do bloco comunista, mas não se alia aos capitalistas. Começa a esboçar o livro O Homem Revoltado. O Paris-Soir lança o sensacionalista Paris-Match em 1949. A imprensa deixa, aos poucos, seu lado intelectual e se torna fortemente comercial, o que o desagrada profundamente. Visita o Brasil, tanto Rio de Janeiro quanto São Paulo. Dá uma entrevista coletiva com a presença de Cláudio Abramo, o diretor do jornal O Estado de S.Paulo.
O ensaio sobre a revolta traz ideias suicidas até Camus, que transforma questões pessoais em fundamentos de sua análise. Uma carta em seu livro O Homem Revoltado, lançado em 1951, menciona os "intelectuais burgueses que querem expiar suas origens", sem citar nominalmente Jean-Paul Sartre. O francês responde, lamentando a perda da amizade. A obra crítica de Albert Camus, sobre as falhas do engajamento comunista, é o estopim de uma separação. Os conflitos das Coreias, da Argélia e de outras questões geopolíticas da Guerra Fria aumentam a diferença entre Sartre, que divulgou Camus em Paris, e o franco-argelino vindo de um mundo subdesenvolvido.
Em 1955, Camus entra no jornal de centro-esquerda L'Express, que convive com a ascensão do comercial Le Monde. Mantém-se pacifista nas questões da independência da Argélia, sua terra natal, o que lhe custa novas inimizades. Sai da publicação em 1956. Em 57, ganha o Prêmio Nobel de Literatura por uma obra "notável num sentido idealista".
Escreve os rascunhos de O Primeiro Homem, livro inspirado em sua vida e com o personagem Jacques Cormery. Em 3 de janeiro de 1960, iria pegar um trem com a mulher Francine. Por insistência de Michel Gallimard, seu publisher, retorna para Paris de carro. Morre no dia 4, às 13h55, com o impacto na hora. Tinha 46 anos. Gallimard morreu cinco dias depois, no hospital. Bateram em uma árvore no acidente.
"A seus amigos, Camus dizia com frequência que nada era mais escandaloso do que a morte de um criança e nada mais absurdo do que morrer num acidente de automóvel".
Trecho da biografia de Olivier Todd.
No Google francês e no espanhol, a empresa de tecnologia e buscas fez uma homenagem ao centenário de Camus com um logotipo estilizado e inspirado no livro O Mito de Sísifo. Veja o Doodle abaixo.